segunda-feira, 24 de junho de 2013

Descobri que não gosto de redes sociais. Não tenho pachorra para gerir aquilo, lidar com a actualização seleccionada de 'amizades', ir apagando grupos, ver actualizações de pessoas que mal conheço e ter cuidado com o que se escreve. Descobri que não ajuda a fazer-me sentir melhor e, se alguma coisa, apenas me faz sentir pior. A rede de controlo denunciada por Edward Snowden não é algo completamente novo. O controlo social espelhado no olhar do vizinho, na opinião do colega, nas nossas inseguranças, o diz-que-disse de alguém aleatório ou uma conversa mal-interpretada. E sobretudo, a curiosidade. A vontade de perceber como serão os outros no seu quotidiano, se são felizes, correctos, arrumados, apressados, se gostam de copos, se gostam de livros, se trabalham, se estudam, o que seja. É esta mesma curiosidade que nos faz ver reality-shows, novelas ou filmes. Perceber-nos com o outro. Tentarmos identificar no outro características semelhantes às nossas ou defeitos distantes dos nossos. Ter de que falar. O facebook permite tudo isso e assume um papel preponderante na nossa vida. É parte integrante da nossa socialização com o mundo. Expômos parte de nós e já foram divulgados estudos que dizem ser possível definir um traço geral da pessoa através daquilo partilha. A National Security norte-americana simplesmente tentou aproveitar-se disso. Mas sejamos francos, há quanto tempo é que permitimos esse acesso? Já há muito que partilhamos, emitimos opiniões, mostramos fotos, confessamos gostos numa rede aberta na internet. Por muito assustadora que esta ideia possa parecer, o controlo total às informações pessoais, a monitorização da nossa privacidade é um conceito que existe há algum tempo. A permissividade e a complacência com que o permitimos, facilitando o acesso ao que é nosso é que é a origem do problema. Não é o uso do facebook, do instagram ou do twitter que é necessariamente prejudicial. As normas de privacidade, as definições de partilha que vão mudando discretamente de tempos a tempos deixando-nos atabalhoados e muitas vezes desprotegidos; o incentivo à partilha de mais, de melhor, mais regularmente, mais pessoal, é essa a principal ameaça. Lembro-me de quando se tinha medo da internet, um pouco à luz dos conselhos parentais de "não digas onde moras, cuidado com o que falas, não te encontres com estranhos" e o mundo online era, embora mais artificial, gerido com maior frieza. Nós já não nos encontramos com estranhos, abrimos-lhes as portas e convidamo-los a entrar. Com esta fuga de informação seria de esperar que houvesse alguma queda na utilização destas redes. Mas não, está tudo na mesma. A lógica do quem não deve não teme persiste. Tenhamos presente que o socialmente aceite hoje, pode não sê-lo amanhã. Estar numa base de dados universal, onde estranhos e organizações podem aceder ao nosso "perfil" tem tanto de útil e importante como de premissa de filme de ficção científica que nos é estranhamente familiar. Mas na verdade, teremos na figura de Snowden um herói ou um traidor? É aceitável que se utilize meios de partilha com uma intenção de prevenir ataques terroristas vasculhando dados que apenas queremos que amigos vejam? Ou é simplesmente uma invasão consciente à privacidade de cada um sem qualquer pudor? O intuito é prevenir ou vigiar? E enquanto funcionário de uma agência como a NSA, sob jura de confidencialidade, não será Snowden alguém pouco confiável? A derradeira questão é se devemos elevar este homem a estatuto de herói ou não. Poderá ter feito um enorme serviço público mas ele próprio ameaçou a integridade da organização a que pertencia. Foi um acto de altruísmo ou pura anarquia? A opinião pública americana divide-se no julgamento que faz a Edward Snowden. Mas questões éticas à parte, esta informação que nos foi desvendada tem de ser utilizada como um alerta geral. Não nos podemos esquecer do actual clima político-económico e da consequente repressão por parte das autoridade que se faz sentir um pouco por todo o mundo. Portugal, Grécia, Chipre, Turquia, Brasil. Os movimentos de descontentamento popular têm sido acolhidos de forma violenta e com certo desdém por parte de Governos e organismos transversais. Não apaguemos convenientemente da memória como aparelhos de censura nos limitaram a todos e demoraram anos até deixarem de nos toldar o comportamento. Mas no fim de contas, é a forma quase poética com que rapidamente descobrimos tudo isto - através das redes sociais - que nos mostra a fatalidade de tudo isto. Pessoas indivíduais, empresas, organizações, associações, grupos de amigos, contas bancárias, números de Segurança Social, caixas de correio, matrículas em estabelecimentos de ensino, dívidas, projectos, sonhos, frustrações. Está tudo na rede. Big Brother is watching you.

1 comentário:

  1. Não elevaria Snowden a herói porque para mim heróis são aqueles da Grécia e os da banda-desenhada. Mas não acho que, por ter "traído" a companhia onde trabalhou, seja menos de fiar. Quem sabe se não passou por um debate moral forte antes de resolver denunciar políticas da empresa com a qual não concordava? É que ele perdeu tudo o que tinha em prol da "justiça social". Mas, por outro lado, também olho estes outbreaks de denúncias com desconfiança - não porque este ou acoloutro traíram as empresas mas por achar que é muito fácil apontar o dedo e acusar disto e daquilo. Mas isso sou eu que sou muito cínica.

    Quanto às redes sociais, não sei se é por estar a ficar mais madura mas concordo contigo, cada vez tenho menos paciência. Mas o facto de ainda usar e partilhar tem a ver um bocadinho com o meu estilo de vida caseiro e não alargar muito os horizontes - again, my bad. Mas este texto deu-me a motivação que precisava de apagar umas quantas pessoas.

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